O Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo, atrás apenas de EUA, China e Japão
O mercado de beleza e cuidados pessoais no Brasil e no mundo tem sido agitado pelo movimento de gigantes, como a aquisição da Avon pela Natura recentemente. Ao mesmo tempo, há uma atividade borbulhante de pequenas marcas que se posicionam em nichos e contam com o ambiente digital — e às vezes só com ele — para dialogar com o público. Ambas, as grandes e as diminutas, se engajam para acompanhar transformações na sociedade que se refletem no consumo, como a busca por produtos mais naturais, personalizados e que comuniquem valores.
Segundo o provedor de pesquisa de mercado Euromonitor International, o Brasil é o quarto maior mercado de beleza e cuidados pessoais do mundo — entram aí de cosméticos para cabelo e pele a perfumes e produtos para higiene bucal. O país fica atrás de Estados Unidos, China e Japão (os dados são de um relatório de 2019, relativos a 2018). Na categoria de fragrâncias, os brasileiros estão em segundo lugar, atrás apenas dos americanos.
Cinco empresas concentram 47,8% do mercado brasileiro, de acordo com o mesmo relatório: Natura & Co, seguida por grupo Boticário, grupo Unilever, grupo L’Oréal e Colgate-Palmolive Co. Já o número de empresas registradas na Anvisa em 2018 era de 2.794, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec).
Entre 2013 e 2018, houve crescimento de 24,5% em valor de vendas no varejo em reais, mesmo tendo ocorrido uma queda de 0,3% entre 2014 e 2015; para 2023, a previsão do Euromonitor International era de um aumento de 20,6%. Já dados apresentados pela Abihpec comparando o PIB brasileiro com índices do setor mostram perdas em 2015 e 2016 ainda não compensadas pela retomada de 2017 e 2018 — embora a recuperação tenha ocorrido em ritmo mais elevado que no restante da economia.
Para os próximos cinco anos, o Euromonitor International prevê três principais tendências globais norteando o mercado de beleza e cuidados pessoais: engajamento digital, posicionamentos éticos e atributos orgânicos e naturais. Lançado em janeiro, o levantamento Beauty and Personal Care Voice of the Industry ouviu 1.113 profissionais em 55 países e também identificou outros destaques, como beleza relacionada à saúde e ao bem-estar, novos ingredientes e formulações e inspiração em marcas independentes.
No campo da digitalização, multinacionais investem na presença em redes sociais e também em inteligência artificial, realidade virtual e apps de beleza, usados por 39% dos consumidores globais em 2019. Um exemplo é a L’Oréal, que adquiriu a Modiface, empresa especializada em realidade aumentada, e lançou ferramentas como a Vichy Skin Consult e provadores virtuais de maquiagem. No Brasil, marcas como O Boticário e Natura também têm seus espelhos virtuais para experimentação de produtos.
Pequenas empresas podem não contar com os mesmos recursos, mas vêm se destacando nesse novo ambiente. “As que a gente chama de nativas digitais, com vendas só pela internet, vêm chegando e ocupando espaço, principalmente entre as gerações mais jovens”, diz Alexandre Machado, sócio-diretor da GS&Consult. “Neste ano, na NRF (feira de varejo em Nova York), a loja da Sephora tinha uma prateleira inteira só de produtos dessas marcas, umas seis diferentes.”
Segundo Alexandre, as marcas conhecidas como autorais ou indie têm despontado no mercado de gigantes focando em nichos específicos, seja um único tipo de público ou de categoria. Combina-se a isso a proximidade com suas comunidades e o potencial para desenvolver produtos a partir dessa comunicação. Ele cita o caso da Sallve, que tem entre seus fundadores o empreendedor de tecnologia Daniel Wjuniski e a publicitária e influenciadora digital Julia Petit. “É uma marca só de skincare”, diz. “Tem pretensão de ser uma das maiores do Brasil porque dialoga muito pela internet, pelas redes sociais. Desenvolveu uma formulação baseada nos reviews e nas contribuições dos consumidores, uma cocriação.”
Lançada em junho de 2019 e hoje com 193 mil seguidores no Instagram, a empresa afirma ter desenvolvido seu primeiro produto — um antioxidante — a partir das informações que coletou de mais de 10 mil pessoas, entre pesquisas quantitativas e qualitativas, encontros offline, conversas nos canais digitais da marca e análises, por robôs, de resenhas de produtos populares do mercado.
Para Kenya Watson, analista da área de inteligência da consultoria CB Insights, a tecnologia deve impulsionar outra tendência, a da personalização, que se tornará cada vez mais específica. “Vemos potencial para dispositivos domésticos e wearables que coletem dados pessoais para criar formulações ou recomendações”, diz.
Informações sobre o clima e hábitos de exercícios, por exemplo, ajudariam a determinar se o indivíduo deveria adicionar um hidratante à sua rotina diária. E que tal kits de teste de DNA para recomendar produtos a partir das características genômicas dos consumidores? Eles já existem. Outra possibilidade, segundo Kenya, é a customização baseada no microbioma — sua relação com a saúde da pele já vem sendo explorada por cosméticos com probióticos.
Cada vez mais beleza, saúde e bem-estar aparecem como conceitos relacionados. “Mais pessoas acreditam que a boa aparência é o resultado de se sentirem bem, o que explica um deslocamento para cuidados com a pele no lugar de maquiagem”, avalia Kenya. “Também vemos mais produtos e rotinas de beleza incorporando alguma forma de saúde e bem-estar, desde aromaterapia até abordagens mais místicas, como cristais.”
No cenário de uma beleza pensada a longo prazo, protetores solares crescem em importância, assim como suplementos ingeríveis. Surgem também propostas de cuidados alternativos, como cursos online de ioga facial voltada para rejuvenescimento. Dois anos atrás, quando começou o Slow Market. Beauty, a publicitária Melissa Volk tinha pouco mais de cem produtores cadastrados. Hoje tem 600. Focado em cosméticos naturais, orgânicos, veganos e cruelty free, o evento reuniu cerca de 2 mil pessoas em sua última edição em São Paulo.
Melissa diz que a evolução desse nicho veio forte no Brasil nos últimos anos, acompanhando o que já vinha se passando nos Estados Unidos e na Europa. “Tinha marca que era artesanal e agora tem Anvisa, e as que têm Anvisa estão indo atrás de certificação. Além disso, a indústria maior começou a lançar produtos veganos ou com apelos mais naturais.”
A publicitária compara esse momento da beleza com algo que já aconteceu na alimentação. “É muito parecido: as pessoas começaram a ler rótulo e as empresas passaram a colocar claims bem fortes: livre disso, livre daquilo, sem isso, com aquilo.” A mudança se reflete nos fabricantes de insumos. “Na in-cosmetics (feira do setor), os expositores estão lançando ingredientes mais botânicos, sustentáveis, biodegradáveis. E com apelo para indie brand — ou seja, conseguem vender quantidades menores para atender as marcas independentes.”
A Abihpec, cujos 400 associados representam 90% do mercado, anunciou em 2018 o compromisso de substituir, em três anos, o uso de microesferas plásticas em produtos enxaguáveis por outros ingredientes com função semelhante, porém biodegradáveis. Em 2019 a Natura lançou sua linha de esmaltes veganos e “9-free” — descritos como “livres de nove ingredientes comuns nas fórmulas de outros esmaltes, mas que têm grande potencial tóxico ou sensibilizante: formaldeído, tolueno, dibutilftalato, resina de formaldeído, cânfora, parabenos, fosfato de trifenilo TPHP, tosilamida de etilo e xileno.
No mesmo ano, chegou ao mercado brasileiro a Love Beauty and Planet, marca de beleza vegana da Unilever. A ausência de componentes de origem animal é só um dos apelos. Outros: presença de 95% de ingredientes de origem natural e sustentável, como manteiga de murumuru; condicionadores com tecnologia de enxágue rápido para diminuir o consumo de água; compromisso de, a cada tonelada de CO² emitida, investir US$ 40 em programas externos de redução das emissões de carbono e resíduos de aterros; embalagens de plástico PET reciclado pós-consumo e 100% recicláveis. Para quem está em São Paulo, há ainda estações de refil, em que o consumidor leva suas embalagens usadas para preencher novamente ou as entrega para receber desconto em novos produtos.
A reutilização de embalagens, por vezes com um prestador de serviço que oferece uma plataforma para intermediar a entrega e a coleta de produtos no endereço do consumidor, estava entre as tendências de sustentabilidade que Alexandre, da GS&Consult, viu na última feira NRF. “Tudo que tem uso diário e alta frequência de compra faz sentido entrar nessa cadeia circular de abastecimento.”
Canais
Em seu caderno de tendências para 2019 e 2020, a Abihpec destacou que o comércio eletrônico era o canal de distribuição com crescimento mais rápido no setor, especialmente as vendas pelo celular. Mas a grande maioria das vendas — 90% — ainda era feita por meio de quatro canais: farmácias e drogarias, venda direta, hiper e supermercados e lojas especializadas.
Foi o canal de venda direta que passou por uma grande movimentação recentemente, com a aquisição da Avon pela Natura. “Ele certamente balançou, porque são os dois principais players”, diz Alexandre. Segundo ele, embora exista espaço para mudanças dentro do portfólio das revendedoras, que geralmente trabalham com várias marcas, esse já é um canal maduro. “Dificilmente vai crescer muito mais do que veio crescendo. Está consolidado e inclusive as empresas estudam diversificações. Quando uma Natura começa a abrir loja em shopping, quer buscar um público que não é o primário da sua revendedora.”